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Joseph Pulitzer

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sobre a pequena-burguesia (*)

SOBRE A PEQUENA-BURGUESIA  (*)



""... É evidente que tanto a eficácia desta via como a estabilidade da situação a que ela conduz, após a libertação, dependem não só das características da organização da luta, mas também da consciência política e moral dos que, por razões históricas, estão na situação de serem herdeiros imediatos do estado colonial ou neocolonial. Porque os factos demonstram que o único sector social capaz de ter consciência da realidade da dominação imperialista, e de dirigir o aparelho de Estado herdado dessa dominação, é a pequena-burguesia do país. Se tivermos em conta as características aleatórias, a complexidade das tendências naturais inerente à situação económica desta camada social ou classe, veremos que esta fatalidade especifica da nossa situação constitui uma das fraquezas do movimento de libertação nacional.

   A situação colonial, que não admite o desenvolvimento duma pequena-burguesia autóctone e na qual as massas populares não atingem, em geral, o grau necessário de consciência politica antes do desencadeamento do fenómeno da libertação nacional, oferece à peque-burguesia a oportunidade histórica de dirigir a luta contra a dominação estrangeira, por ser, pela sua situação objectiva e subjectiva (nível de vida superior ao das massas, contactos mais frequentes com os agentes do colonialismo, e portanto, mais ocasiões de ser humilhada, grau de instrução e de cultura politica mais elevado, etç,), a camada que mais rapidamente toma consciência da necessidade de se libertar da dominação estrangeira. Esta responsabilidade histórica é assumida pelo sector da pequena-burguesia que se pode, no contexto colonial, chamar de revolucionária , enquanto os outros sectores se mantêm na dúvida característica destas classes ou se aliam ao colonialismo, para defenderem, embora ilusoriamente, a sua situação social.

   A situação neocolonial, que exige a liquidação  da pseudo-burguesia autóctone para que se realize a libertação nacional, dá também à pequena-burguesia a oportunidade de desempenhar um papel de primeiro plano  -- e mesmo decisivo -- na luta para a liquidação da dominação estrangeira.
Mas, neste caso, em virtude dos progressos realizados na estrutura social, a funçaão de direcção da luta é partilhada (num grau maior ou menor) com os sectores mais instruidos das classes trabalhadoras e mesmo com elementos da pseudo-burguesia nacional, imbuidos de sentimentos patrioticos. O papel do sector da pequena-burguesia, que toma parte na direcção da luta, é ainda mais importante, até porque mesmo na situação neocolonial, está mais apta a assumir estas funções, seja porque as massas trabalhadoras sofrem de limitações económicas e culturais, seja por causa dos complexos e limitações de natureza ideológica que caracterizam o sector da pseudo-burguesia nacional que adere à luta. Neste caso é importante fazer notar que a missão que lhe foi confiada exige deste sector da pequeno-burguesia uma maior consciência revolucionária, a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas em cada fase da luta e de se identificar cada vez mais com elas.

   Mas, por grande que seja o grau de consciência revolucionária do sector da pequena-burguesia chamada a preencher esta função histórica, ela não pode libertar-se desta realidade objectiva: a pequena-burguesia, como classe dos serviços ( quer dizer, que não está directamente incluída no processo de produção) não dispõe de bases económicas que lhe garantam a tomada do poder. Com efeito, a história demonstra-nos que, qualquer que seja o papel -- por vezes importante -- desempenhado por indivíduos saídos da pequena burguesia no decurso de uma revolução, esta classe nunca esteve na posse do poder politico. Nem podia ter estado, uma vez que o poder politico (Estado) assenta na capacidade económica da classe dirigente e nas condições da sociedade colonial e neocolonial, esta capacidade se encontra nas mãos de duas entidades: o capital imperialista e as classes trabalhadoras nacionais.

   Para manter o poder que a libertação põe na suas mãos, a pequena-burguesia só tem um caminho: deixar agir livremente as suas tendencias naturais de emburguesamento, permitir o desenvolvimento duma burguesia burocrática e intermédia do ciclo de mercadorias, para se transformar numa pseudo-burguesia nacional, quer dizer, negar a revolução e unir-se estreitamente ao capital imperialista. Ora tudo isto corresponde à situação neocolonial, quer dizer, à traição dos objectivos da libertação nacional.
   Para trair estes objectivos, a pequena-burguesia, só tem um caminho: reforçar a sua consciência revolucionária, repudiar as tentações de emburguesamento e as solicitações naturais da sua mentalidade de classe, identificar-se com as classes trabalhadoras, não se opor ao desenvolvimento normal no processo da revolução. Isto significa que, para desempenhar perfeitamente o papel que lhe cabe na luta de libertação nacional, a pequena-burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe, para ressuscitar como trabalhador revolucionário, inteiramente identificada com as aspirações mais profundas do povo a que pertence.

   Esta alternativa -- trair a revolução ou suicidar-se como classe -- constitui o dilema da pequena-burguesia no quadro geral da luta de libertação nacional. A solução positiva em favor da revolução depende do que recentemente Fidel Castro correctamente chamou desenvolvimento da consciência revolucionária. Esta dependência chama necessariamente a nossa atenção para a capacidade do dirigente da luta de libertação nacional permanecer fiel aos princípios e à causa fundamental da luta. Isto mostra-nos, numa certa medida, que, se a libertação nacional é essencialmente um problema politico, as condições do desenvolvimento emprestam-lhe certas características que pertencem ao domínio moral.
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(*) Extracto do discurso de Amílcar Cabral em Janeiro de 1966 na 1ª Confª de Solidariedade dos Povos de África, da Ásia e da América Latina (Havana), em nome dos Povos e das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.


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