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Joseph Pulitzer

sábado, 16 de novembro de 2013

Guiné-Bissau aguarda definições sobre próximas eleições

A Guiné-Bissau tenta se manter em pé apesar da corrupção, do tráfico de drogas e da pobreza. A comunidade internacional e os cidadãos guineenses depositam na realização das próximas eleições a esperança de pegar o fio da meada para a luta contra o crime organizado. (*)


Cocaína confiscada pela polícia de Guiné-Bissau foi apresentada à imprensa em 21 de março de 2012. (Reuters)

Nos últimos anos o país passou a ocupar uma posição estratégica para a rota do tráfico de drogas produzidas na América Latina, que são transportadas pela África Ocidental e distribuídas para o consumo na Europa. Apesar dos esforços para a reestruturação, a situação política do país é instável. As eleições marcadas para 24 de Novembro foram adiadas pelo presidente do governo de transição, Manuel Serifo Nhamadjo e pelos principais partidos políticos do país, devido a falta de fundos para realização do pleito com garantia. As novas datas propostas seriam 23 de Fevereiro ou dois de Março.

Em busca de futuras acções mais eficazes, a situação do crime organizado em Guiné-Bissau e as missões de paz enviadas pelas Nações Unidas ao país foram analisadas por recente estudo realizado pelo International Peace Institute, com sedes em Viena e Nova York, com recursos dos governos suíço e norueguês.

Os pesquisadores concluem que o caminho para alcançar a estabilidade depende de três intervenções. A primeira providência é deixar clara a intolerância à impunidade para crimes de tráfico de drogas. A segunda é promover um esforço para reduzir as forças militares na Guiné- Bissau, e durante o processo, desmantelar as conexões com as redes de tráfico e finalmente manter o compromisso de construir a paz e garantir a realização das eleições.

 

Turbulências

Em 12 de abril de 2012, entre o primeiro e o segundo turno das últimas eleições, a Guiné-Bissau passou por um golpe de Estado liderado por militares, que resultou na prisão do presidente interino, Raimundo Pereira, e do então primeiro ministro, Carlos Gomes Júnior. Em seguida, os golpistas instalaram um novo governo civil, dando o cargo a Serifo Nhamadjo. O passo seguinte foi criar um Conselho Nacional de Transição, que governaria o país por um ano, mas segue no poder.

Segundo o estudo do IPI, militares e uma pequena elite de empresários do país dominam o tráfico de drogas. De acordo com os dados levantados durante a pesquisa, após o golpe houve um aumento no volume de circulação da carga ilícita, chegando a 35 toneladas entre janeiro e setembro de 2012. Mas as estimativas variam. Dados recentes da UNODC indicam redução no volume de cargas traficadas via Guiné-Bissau.

Assim, a tomada de poder por parte dos militares apenas manteve a situação do tráfico tão favorável quanto possível. A resposta internacional ao problema foi debatida em reuniões de alto nível, mas os resultados obtidos foram pouco significativos. O estudo aponta uma ligação entre a crise de governança no país e o tráfico ilícito, porém a pesquisa também ressalta que as bases frágeis da Guiné-Bissau são constantemente ameaçadas por problemas económicos, contribuindo com a instabilidade local.

O engajamento da comunidade internacional envolveu o trabalho de várias organizações não governamentais, entre as quais a UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime Organizado.


UNODC em Guiné-Bissau

Christian Schneider é doutor em Ciência Política pela Universidade e Zurique e esteve em Guiné-Bissau durante a acção da UNODC no combate ao tráfico de drogas.

Segundo o pesquisador, a África era uma região pouco associada ao tráfico de drogas, já que a cocaína era produzida na América Latina e a heroína, na Ásia Central e Sudoeste da Ásia. O consumo ficava restrito à América do Norte, Europa e Austrália. Antes da mudança de rota do tráfico a droga era transportada em voos comerciais por meio de “mulas”, passageiros pagos para viajar com a droga presa ao corpo ou camuflada em bagagens.

Cerca de uma tonelada de cocaína passava pela África Ocidental a cada ano. Entre 2005 e 2009 o panorama mudou. O volume de cocaína que circulou pela região chegou a 12 toneladas anuais. Estava feita a conexão entre a América Latina e a África Ocidental. A comunidade internacional passou a temer maiores instabilidades na região africana por causa do deficiente sistema de segurança de países como a Guiné-Bissau.

Finalmente, o assunto entrou para a pauta internacional. O alarme foi soado e a UNODC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, com sede em Viena, orquestrou um projecto cujo objectivo era principalmente a capacitação de profissionais e aparelhamento da polícia, com início em 2010. Hoje, segundo a informação do funcionário do Escritório Regional da UNODC no Senegal, Abdulay Sisey resta apenas um profissional em Bissau envolvido nas atividades de combate ao tráfico de drogas.

Em entrevista à swissinfo, Schneider avalia as expectativas da comunidade internacional, os sucessos da organização em Bissau e os obstáculos enfrentados pelos profissionais envolvidos na operação.


Como Guiné-Bissau entrou para a pauta internacional e passou a chamar a atenção de pesquisadores e das organizações internacionais?

Christian Schneider: Meu trabalho de pesquisa envolveu a relação entre as organizações internacionais e os estados. E a questão é saber quem governa quem. O caso da UNODC é interessante porque é uma organização na qual as doações dos Estados muitas vezes são destinadas a projectos específicos. Depois de produzir uma sequência de relatórios sobre o que acontecia na Guiné Bissau conseguiu trazer o assunto para a pauta internacional. Assim, a Guiné Bissau se tornou um caso claro de interesse de alguns Estados membros da organização e uma ação concreta foi organizada principalmente com o apoio de países consumidores da droga que sai da América Latina, como Espanha, Itália e Reino Unido.

 

Como a UNODC atua no combate ao tráfico de drogas na Guiné Bissau?

C.S.: O projeto da UNODC conduzido na Guiné Bissau teve como foco principal a luta contra o tráfico de cocaína. A estratégia foi o investimento em ações para a capacitação de recursos humanos, aparelhamento da polícia e a luta contra o crime organizado. A ação estava prevista para durar 40 meses. Os países interessados em resolver o problema se organizaram e conseguiram que o projeto fosse financiado pela Comissão Europeia. Apenas isso já configura uma grande mobilização.


Quais foram os principais obstáculos enfrentados pela organização durante a realização do projeto na Guiné-Bissau?

C.S.: O país é desprovido de muitos recursos. Até o trabalho mais básico da polícia carece de condições mínimas e essa é uma das razões para não criar muitas expectativas. Mas quando uma organização internacional como a UNODC apresenta um projeto a eventuais doadores, não há margem de negociação, caso algo venha a dar errado. Durante as entrevistas que realizei em Bissau, ficaram claras as tensões entre os funcionários que se beneficiaram com a ação da UNODC e os demais. Para os que receberam computadores e motocicletas em nome das instituições locais, o projeto foi um sucesso. Porém os funcionários das organizações internacionais em Bissau são muito francos quando dizem que nem tudo correu tão bem quanto era esperado.
 

Em que casos, por exemplo?

C.S.: O escritório da Interpol em Bissau foi equipado com um sistema de informação e veículos que possibilitariam o alcance das autoridades a áreas mais distantes da capital. De fato, esses serviços foram acessados pela população mais de 200 vezes. Foram denúncias e tentativas de colaboração com as investigações. Isso mostra que as forças policiais se tornaram mais integradas, inclusive para investigações internacionais. O consultor da ONU para assuntos policiais, em Bissau informou que nenhuma dessas chamadas recebeu resposta ou alguma denúncia foi investigada.

Sabe-se também que uma parte do dinheiro destinado à compra de veículos acabou sendo usado para pagar o salário de funcionários que utilizaram a verba para a manutenção de suas famílias. Porém o crime organizado não pode ser investigado em outras áreas do país por falta de meios de transporte da polícia. A operação acabou ficando concentrada apenas na capital Bissau.

 

Quais foram os resultados positivos da ação da UNODC em Guiné Bissau?

C.S.: O envolvimento de países da África ocidental em tráfico de drogas não é recente. É importante ressaltar que a UNODC aproveitou essa oportunidade para se estabelecer no local e chamar a atenção da mídia e da comunidade internacional para um problema que já ocorre há algum tempo.

 

Qual a relação entre o tráfico de drogas em Guiné Bissau e a estabilidade política do país?

C.S.: A Guiné Bissau tem estruturas muito frágeis, porém o tráfico de drogas é apenas mais um fator que contribui com a instabilidade, mas não é o único.

 

Houve alguma flutuação no volume do tráfico de drogas no país desde a ação da UNODC?

C.S.: Os números não são tão significativos. O importante é saber o que a flutuação no volume de tráfico reflete. Não é possível saber se há realmente menos cocaína transitando pela África Ocidental ou se os traficantes se aproveitam da instabilidade da situação e passam a operar de forma mais eficiente. Portanto, nem sempre o número absoluto de carregamentos traficados tem um significado claro. 

(*) Por Heloísa Broggiato
Viena, Áustria -

 

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