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Joseph Pulitzer

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Carta a António Patriota e Missão da ONU



 

 

Bissau e São Paulo, 16 de janeiro de 2014 

Excelentíssimo Senhor Embaixador

António de Aguiar Patriota

Chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, Nova Iorque

Presidente da Configuração para Guiné-Bissau da Comissão das Nações Unidas para Consolidação da Paz 

 

Ofício Conectas_PE_01_Jan14

Ref.: Recomendações à Comitiva da ONU para Guiné-Bissau e pedido de audiência Excelentíssimo Senhor Embaixador Patriota, à luz da visita da Comitiva da ONU para a Guiné-Bissau, chefiada pelo Senhor e agendada para a quarta semana deste mês, a Liga Guineense dos Direitos Humanos (Guiné Bissau), a Casa dos Direitos (Guiné-Bissau) e Conectas Direitos Humanos (Brasil) gostariam de apresentar recomendações à visita da Comitiva, incluindo aquelas que acreditamos ser importantes que a Peacebuilding Commission e o Peacebuilding Fund façam ao governo de Guiné-Bissau. Ademais, gostaríamos de respeitosamente solicitar uma audiência com o Senhor Embaixador durante a sua visita em Bissau, especificamente para discutir a situação de direitos humanos. 

Em razão da má governança e da instabilidade política provocada pelo golpe de estado de 12 de abril de 2012, a crise social tem se agravado com o aumento do custo de vida, a elevada taxa de desemprego e crise na economia1, associada à incapacidade do Governo de Transição em pagar os salários e outras despesas correntes do Estado há três meses. Neste contexto, o país tem vivido ondas de greve na administração pública, em particular nos sectores de saúde, educação, transporte e energia.
Liga Guineense de Direitos Humanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-
Bissau 2010/2012. Disponível em http://www.gbissau.com/wp-content/uploads/2013/02/Relatorio-sobre-a-situa%C3%A7ao-dos-direitos-humanos-2012-VF.pdf.
Após o último golpe de estado, a situação dos direitos humanos tem se agravado com assassinatos, espancamentos, agressões físicas, detenções ilegais de jornalistas, músicos e ativistas dos direitos humanos, restrições ilegais da liberdade de manifestação, de imprensa e da expressão com o objetivo de silenciar os opositores do regime. É importante destacar que, nos últimos meses, o quadro tem se deteriorado ainda mais.

O recenseamento é feito com "kits" (conjuntos) de material informático que imprimem na hora o cartão de eleitor.
A impunidade continua sendo um dos principais desafios do país e fator de instabilidade política. Um exemplo preocupante é que está pendente mais uma vez no Parlamento guineense uma proposta de lei de anistia a favor dos responsáveis pelo golpe militar de 12 de abril de 2012. Em suas declarações, o PGR tem atribuído a falta de sucesso nas investigações nacionais às questões de insegurança dos investigadores e de intimidação por parte das forças armadas. Por conta desses entraves no âmbito nacional, organizações da sociedade civil, durante Conferência Internacional das Organizações da Sociedade Civil sobre a Impunidade organizada pela Liga Guineense dos Direitos Humanos, em colaboração com a Associação para a Cooperação entre os Povos, ONG portuguesa, ocorrida de 11 a 12 de dezembro 2013 em Bissau, demandaram a criação de uma Comissão de Inquérito Internacional sobre os assassinatos políticos ocorridos nos últimos anos.
Cabe destacar que, no início do mês passado, o Procurador Geral da República de Guiné-Bissau (PGR) foi ouvido no Parlamento sobre os casos de assassinatos políticos ocorridos em 2009, inclusive do Presidente João Bernardo Vieira e, recentemente, do Ministro de Transporte e Telecomunicação, que foi agredido por um grupo de indivíduos não identificados, em sua residência no dia 5 de novembro do ano passado.
Como é de vosso conhecimento, as eleições, inicialmente previstas para novembro do ano passado, foram postergadas. Apesar das novas eleições estarem marcadas para 16 de março 2014, há incertezas sobre sua realização.
Uma questão preocupante é a forma como o recenseamento eleitoral está sendo feito.
O Governo guineense de transição iniciou o processo no dia 1 de dezembro de 2013, com o apoio técnico e financeiro de vários parceiros, particularmente dos Governos de Timor-Leste e da Nigéria. Este recenseamento, que devia durar 21 dias, foi primeiramente prorrogado até 30 de dezembro, e, depois, para 31 de janeiro 2014. As razões para extensão do prazo se deu por conta das dificuldades de ordem logística e técnica. Ficou patente a falta de preparo dos técnicos encarregados do processo, por ser esta a primeira experiência nacional com o sistema semi-biométrico de recenseamento em curso.
Além disso, os kits de recenseamento disponíveis são insuficientes. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que nos últimos anos prestou assistência à Comissão Nacional de Eleições, o número mínimo de kits para cobrir todo o processo no prazo inicialmente previsto era de 1.000 (mil kits). No entanto, o Governo inicialmente mobilizou apenas 113 kits. Com as dificuldades encontradas, o número de kits está sendo aumentado paulatinamente com o apoio da Nigéria, cifrando agora numa media de 341. Porém, continua ainda muito abaixo do desejável. Esta situação é preocupante, pois dos 800 mil eleitores habilitados, nem a metade encontra-se recenseado até o momento. 
Se o número de kits não for aumentado suficientemente, dois meses, no mínimo, serão necessários para o registro completo dos eleitores; fato que comprometerá substancialmente o calendário eleitoral e, consequentemente, agravará a situação político- social do país.
Recomendações:
O Senhor Embaixador tem deixado claro que a visita da Comitiva visa a “dar início ao planejamento do compromisso com a Guiné-Bissau na fase pós-eleitoral.” Saudamos essa iniciativa e achamos de extrema importância este compromisso, no entanto, também consideramos de extrema e fundamental importância o engajamento imediato do Brasil e da Comissão de Construção da Paz para assegurar que as eleições sejam realizadas na data prevista.


Recomendações à Comitiva:
Reunir-se especialmente com organizações de direitos humanos, inclusive a Liga Guineense de Direitos Humanos e a Casa dos Direitos, para discutir o agravamento da situação de direitos humanos e de como a comunidade internacional pode apoiar a proteção e promoção dos direitos humanos.
Enfatizar para as autoridades nacionais a necessidade do respeito pelas liberdades fundamentais nomeadamente de manifestação, de imprensa e expressão enquanto pressupostos indispensáveis para a realização das eleições, justas, livres e críveis.
Chamar atenção da comunidade internacional sobre os riscos associados ao sintomático adiamento das eleições para a estabilidade da Guiné-Bissau.
Recomendações à Configuração para Guiné-Bissau da Comissão de Construção da Paz:
Prestar assistência para a obtenção de número suficiente de kits para o recenseamento eleitoral. 

Com relação ao Peacebuilding Fund (PBF):
o Reforma do setor de segurança: Cremos que uma das prioridades deve ser as reformas nos setores de defesa e segurança, particularmente a modernização de estruturas, a desmobilização efetiva dos antigos combatentes, e o recrutamento e a instrução de novos membros, de acordo com os padrões de um exército republicano.
O Apoio à sociedade civil guineense: A sociedade civil guineense tem trabalhado sem apoio institucional. Por isso, igualmente constitui prioridade o apoio à sociedade civil no combate à impunidade, na defesa e promoção de direitos humanos, por meio de iniciativas de sensibilização, capacitação, produção de estudos, e no monitoramento dos casos dos direitos humanos a nível nacional.
O Reformas políticas, jurídicas e sociais: Consideramos que o PBF deve servir para incentivar mudanças positivas na sociedade, nomeadamente do atual cenário político através da revisão do quadro legal para promover uma vida política sadia e de acordo com os valores da paz, democracia, estado de direito e reconciliação nacional. Entre as reformas desejadas estão: 

1) Revisar a lei-quadro dos partidos políticos para fixar o nível acadêmico mínimo para os candidatos, evitando assim, ter deputados analfabetos no parlamento;
2) Atribuir competência de recenseamento à Comissão Nacional de Eleições para assegurar eficiência e transparência do processo desde o início;
3) Promover um ambiente econômico e social capaz de incentivar emprego aos jovens e organizar pequenas iniciativas junto à comunidade local para reduzir tensões sociais.
4) Capacitar e apoiar mídias para contribuir de forma significativa no processo de reconciliação nacional, tendo em conta o nível social das comunidades locais e o impacto em especial das rádios comunitárias na sociedade guineense.
No que diz respeito ao papel do Brasil, como disse o representante especial do Secretário- Geral da ONU para Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, “o Brasil tem enorme credibilidade
[...] Há muita sensibilidade no Brasil para cooperação com África.” . Embora o governo brasileiro tenha afirmado sua total disposição em continuar apoiando o país8, acreditamos que mais possa ser feito. Assim, gostaríamos de solicitar um maior engajamento do governo brasileiro, particularmente para apoiar o processo eleitoral, à semelhança das eleições passadas em que Brasil concedeu apoios significativos à Comissão Nacional de Eleições. Adicionalmente, pedimos a ajuda do Governo brasileiro para a mobilização de apoio da comunidade internacional sobre o processo eleitoral, nomeadamente no que concerne à logística e assistência técnica. Finalmente, achamos fundamental que o Brasil retome a cooperação depois das eleições nas áreas da defesa e segurança, uma vez que as reformas destes setores são crucias para a consolidação da paz e reconciliação nacional.


Certos da atenção e diligência que serão empregadas para o atendimento da presente carta, reiteramos nossos mais altos protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,

Luís VAZ MARTINS
Presidente
Liga Guineense dos Direitos Humanos

Cadija MANE
Coordenadora
A Casa dos Direitos

Camila ASANO
Coord. Política Externa
Conectas Direitos Humanos



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