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Joseph Pulitzer

domingo, 27 de abril de 2014

Ramos Horta e os cidadãos de Bissau

Era domingo de Páscoa, já a manhã ia alta. Depois da missa na Catedral de Bissau, José Ramos-Horta dirige-se como qualquer cidadão, ao Café Império, privilegiado ponto de encontro situado na Praça dos Heróis Nacionais.


Altura para retemperar forças, comer um bolo, tomar um café, num momento de pura descontracção.

Hábito muito comum deste diplomata e antigo activista da causa nacional do seu povo, já que gosta de ir aos locais por onde toda a gente anda, em Bissau, nos arredores, em qualquer parte do País. Seja para comprar umas peças de fruta, visitar zonas residenciais, sentir o pulsar da sociedade. Não é um homem de gabinete e hotel.

Para trás, tinha ficado uma semana preenchida, uma agenda carregada de Ramos Horta, que fez questão de se reunir com partidos políticos e candidatos às eleições gerais do passado dia 13. É ponto assente, para o diplomata Nobel da Paz de 1996, avistar-se com todos, mesmo os que não conseguiram representação na nova Assembleia Nacional Popular, saída do escrutínio.

Reuniões com políticos, mas também todo um conjunto de tarefas do âmbito das Nações Unidas destinadas a ajudar o Povo guineense, as suas forças vivas, as suas instituições, a comunicação social, órgãos de soberania, organizações não-governamentais, neste momento particular que a Guiné-Bissau atravessa; de grande jornada democrática e de um verdadeiro virar de página após 15 anos de conflitos político-militares, a que os eleitores, de forma cívica e maciça, disseram “basta!”, no dia das eleições.

Já tinham passado vários dias desde a divulgação dos resultados provisórios nacionais e da diáspora por parte da Comissão Nacional de Eleições e porventura, já houve tempo para a maioria reflectir sobre os mesmos e as implicações que o escrutínio terá na vida dos guineenses nos próximos quatro anos.

Mas não é um desejo apenas para uma Legislatura ou para um Mandato Presidencial: os guineenses dizem todos que querem que a “Guiné-Bissau encontre para sempre a paz”, e “ uma vida melhor para todos, emprego, saúde, educação”.
Foi este o traço comum nalgumas das frases das várias pessoas que vieram ter com Ramos Horta, para lhe transmitir estas mesmas aspirações e desejos, de uma vida normal.

Surpreendentemente, abeiram-se do ex-Presidente de Timor-Leste, cidadãos, clientes da pastelaria, mas também colaboradores, que não perdem a oportunidade para lhe agradecer o trabalho desenvolvido desde fevereiro de 2013, quando chegou a Bissau para dirigir esta Missão Integrada das Nações Unidas.

Gente anónima com ideias bem claras sobre o que faz falta, o que a Guiné Bissau fará com esta escolha dos seus representantes, que põe fim a um período de transição, depois do golpe de estado de há dois anos.

Mas alguns, não conseguem disfarçar alguma ansiedade, simultaneamente de forma serena, expressam essa expectativa sobre como vai decorrer a campanha para a 2ª volta das Presidenciais e resultado dessa eleição marcada para 18 de Maio.
Todos sabem que a comunidade internacional está expectante, atenta á evolução do processo guineense. Eram visíveis por toda a parte, em Bissau e por todo o território, as mais de quatro centenas de observadores eleitorais, provenientes de 11 organizações internacionais e países (CEDEAO, União Africana, UE, entre outros).E que muito do prometido apoio de doadores internacionais e do reforço da ajuda destes países e blocos regionais, e a da própria ONU, depende muito da forma como a classe dirigente e os militares gerirem a nova realidade politica, respeitando o veredicto popular.

Apesar do efeito surpresa do momento, naquela mesa de café, e dos muitos cumprimentos, José Ramos Horta, escuta atentamente o que têm para lhe dizer estes cidadãos, eleitores, trabalhadores, não trabalhadores, pessoas de vários estratos sociais, culturas e credos.

Não é um político no sentido “clássico” e mediático este, que está ali no café Império a ouvir com atenção o cidadão comum; sentado àquela mesa ou colocando-se de pé para cumprimentar as pessoas, ali, naquele momento, não é o político experiente em banhos de multidão no seu País, enquanto Primeiro-Ministro e Presidente da Republica. É um homem que muito espontaneamente revela toda a atenção às pessoas que entram e saem, mas que num interregno, aproveitam para estes breves minutos de conversa ou uma calorosa saudação a Ramos-Horta.

Não havia câmaras, nem microfones, nem blocos de notas de jornalistas, nenhum mediatismo. Nem elementos do “staff” de Ramos-Horta, na ONU em Bissau.

O diplomata ao serviço das Nações Unidas, responde a estes cidadãos anónimos com toda a simplicidade, sem jargões políticos, sem lugares comuns, sem marcas de discursos oficiais nem institucionais. Apenas diálogo com uma directa e simples mensagem com desejo de esperança, de mudança, de dias melhores para a Guiné-Bissau, porque quem “ está de parabéns”, repete, Ramos-Horta,” é o povo guineense” e o belíssimo exemplo de maturidade democrática demonstrada na campanha e no dia das eleições.

Não se fala apenas de eleições. José Ramos –Horta escuta também desabafos, queixas de pessoas indignadas, fartas das más condições de vida que assolam a quase totalidade dos guineenses: salários em atraso, tanto nos sectores público, como privado; hospitais em sérias dificuldades, com falta de equipamentos e medicamentos; escolas com falta de recursos humanos e materiais, muitas delas com paragens forçadas; custo de vida incomportável para os mais carenciados; e também uma sensação de alguma falta de segurança, de instabilidade.

P.S: Este registo pessoal do que vi, ouvi, é apenas isso: uma experiencia pessoal, a que não resisti dar expressão pública em crónica, que reflecte apenas a minha opinião e o meu olhar de repórter .

(por: Luís Nascimento - Jornalista free-lance)
 

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