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Joseph Pulitzer

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Entrevista: Domingos Simões Pereira, 1º Ministro da G-Bissau

Os olhares internacionais estão colocados no novo primeiro-ministro da Guiné Bissau,eleito em Maio passado, Domingos Simões Júnior. Será capaz manter uma estabilidade política no país? Será alvo de um novo golpe de Estado? Como vai governar este frágil país no mapa do mundo como uma espécie de 'narco-Estado'?


O Governo português está há espera de saber que garantias vai dar o novo Governo que permitam restabelecer os voos diretos da TAP. Pode adiantar quais vão ser?
É evidente a vontade das partes em rapidamente criar condições para a retoma dos voos diretos para Portugal. Já escrevi em tempos, quando tive uma experiência no jornalismo, que o voo da TAP não é simplesmente um voo comercial, é um acontecimento cultural. As pessoas vão ao aeroporto receber o voo da TAP mesmo sem ter alguém a chegar ou a partir. Portanto, quando alguém vem forçar um sentimento adverso a isso é porque, provavelmente, tem uma agenda política. O que aconteceu foi, de facto, uma agenda política com vários aproveitamentos. Muito lamentável da parte de muita gente e prejudicando a todos. Prejudicando a imagem do país, prejudicando a relação entre dois povos que são irmãos, tentando introduzir um elemento de desconfiança completamente dispensável.

Mas o que está em causa são essencialmente garantias de segurança, certo?
O que temos de fazer é afastar os fatores que transformaram aquela que devia ser uma relação normal entre Estados, traduzidos em empresas, numa agenda política. Vou dar três exemplos. Se um Estado tem dificuldades em seguir os seus fluxos migratórios, deve reconhecer essa necessidade. Teríamos certamente interesse em beneficiar de apoio internacional, através da cooperação, para criar uma capacidade própria de fazer o seguimento desses fluxos. Segundo, se temos dificuldade em controlar a manipulação dos documentos que emitimos, pode também ser objeto de reforço de capacidade por parte dos nossos parceiros internacionais; se há um problema de disciplina por parte das entidades que operam no aeroporto - há várias autoridades no aeroporto - elas devem submeter-se a uma mesma autoridade, de quem gere o aeroporto. Há um claro problema técnico de competências. Mas, infelizmente, em vez de uma abordagem técnica sobrepôs-se uma agenda política e tentou-se mobilizar um sentimento nacionalista, do género "estamos em 'guerra' com Portugal e é preciso demonstrar a nossa força". Ouvi o porta voz do Governo,na altura, a falar nesse sentido. Se há um problema de base técnica, tem que se resolver. Tem que se evitar a utilização abusiva de aproveitamentos políticos de situações que não o merecem.

Como vê neste momento a Guiné-Bissau?

A Guiné-Bissau é um país à procura de uma afirmação positiva. Temos dúvidas se isso se faz confrontado aqueles elementos reconhecidamente negativos ou criando pontes, mesmo com esses elementos. A Guiné está exatamente nesse dilema. A população está cansada e, em certa medida, mobilizada para experimentar algo diferente. Mas ao mesmo tempo receosa de se empenhar porque não sabe o que vai dar.

Quando tomar posse deverá encontrar os cofres vazios. Como vai governar?
Se se confirmar que os cofres estão completamente vazios estamos numa situação muito dificil. Herdamos uma situação de cerca de seis meses sem salários e ainda por cima com os cofres vazios. É dificil de imaginar um cenário desses. Julgo que a primeira coisa a fazer é dizer a verdade às pessoas. A seguir tomar as medidas necessárias para recuperar as receitas. Nada justifica isto. É preciso estabelecer um ambiente de confiança. Toda a nação guineense tem que perceber que vive fundamentalmente do seu esforço e dos seus recurso. Estamos numa situação extraordinariamente grave. Vamos ter de pedir os apoios necessarios para sair do buraco em que nos encontramos. Mas, paralelamente, temos de demonstrar responsabilidade no uso daquilo que for a angariação de recursos a nível internacional. Todos os guineenses estão atentos ao que vai acontecer. O que eu digo é que tem de haver uma mudança de atitude das pessoas. Temos de ser mais responsáveis. Não é um problema das caras novas que vão surgir. São caras novas, mas, na grande maioria, são caras novas que já cá estão.

A oposição tem um papel a desempenhar nesta nova fase da Guiné-Bissau?
Apesar da maioria absoluta lançámos processo de diálogo com todos os partidos. Quisemos também deixar sinal muito forte ao PRS, o maior partido da oposição, que, independentemente dos resultados, há um conjunto de reformas estruturais da sociedade guineense que necessita de contar com a participação do PRS. Qualquer programa de reforma necessita de dois terços do parlamento e decidimos não aguardar por esse momento, Antecipámos o processo de diálogo. Isto tranquiliza muito a sociedade guineense pois significa que há um esforço de ambas as partes de oferecer tranquilidade ao país. 
 
Ramos-Horta, actual enviado especial da ONU em Bissau, defende uma amnistia aos militares envolvidos no golpe de Estado. Concorda?
A questão da amnistia tem sido muitas vezes tratada não no melhor espaço nem no melhor momento. Depois do golpe de estado de 12 de abril, as opiniões extremaram-se na Guiné Bissau em relação aos militares, à forma como toda essa questão dos perdões, da reconciliação, é tratada. Ou seja, a linha que passou a dividir a tolerância e a reconciliação ficou bastante próxima do outro lado que é a impunidade. Se, por um lado, ninguém quer promover a impunidade, por outro todos reconhecem que há necessidade de alguma abertura para o entendimento entre as partes. Anunciar a amnistia como a formula de solução para o problema não me parece ser a abordagem mais correta. Os guineenses precisam falar numa reconciliação, construída pelo diálogo. Se o diálogo, visando a reconciliação, resultar na a aprovação da amnistia, todos estaremos bem servidos. Quando começamos a abordagem falando da amnistia corremos o risco de parecer que estamos a promover a impunidade. Não queremos correr esse risco. Os guineenses não querem. Desde 1974 houve cerca de uma dezena de golpes de Estado, entre tentativas e concretizados. Muitas situações nunca foram esclarecidas. Chegámos a 2014, parece que finalmente tanto a opinião pública nacional, como a internacional, em uníssono dizem 'Basta!'. Agora, quando se diz 'Basta!' todo o mundo está de acordo. Qual é a tradução efetiva desse 'Basta!. É tolerância zero? É conversar? Numa perspetiva de abordam de política interna o que dizemos é precisamos promover melhor o diálogo entre os atores políticos nacionais. Sejam partidos políticos, a sociedade civil ou a própria sociedade castrense. Todos precisam de se envolver num diálogo abrangente, visando a reconciliação nacional. Mas para se chegar à reconciliação temos de ser capazes de abordar a verdade. Dizer a verdade como as coisas de facto são. Portanto esse diálogo irá permitir que o guineense decida claramente que caminho quer percorrer. A reconciliação é o nosso objetivo. A formula para lá se chegar é o diálogo. Se o diálogo recomendar a amnistia será um um ingrediente para o processo de reconciliação e não a solução do problema.

Como vai romper com a imagem internacional da Guiné como um 'narco-Estado'?
Há uma grande pressão internacional no sentido do Estado, já de si frágil, enfrentar o narcotráfico. A tendência é os Governos começarem por fazer declarações sonantes em como vão combater o narcotráfico. Como se se tratasse de uma questão exclusivamente de vontade. Não é muito justo nem muito sério pedir a um Estado como a Guiné-Bissau que, por via exclusiva dos seus próprios meios seja capaz de denunciar, combater e eliminar o narcotráfico. Tem que haver ação combinada. A denuncia do fenómeno compete ao Estado; a criação de legislação que coloquem os praticantes numa situação de fora de lei. Mas o Estado só terá condições de promover esses dois elementos se formos capazes de dotar as instituições de meios para enfrentar esse combate. E, finalmente, encontrar alternativas melhores do que aquelas que o mundo do crime oferece. Se para além da fraqueza do Estado o crime compensa fica difícil promover esse combate. Tem que haver um compromisso nacional, um regional mas, sobretudo, internacional. Tem que haver um compromisso internacional para reforçar as instituições.

A visita do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, foi importante nesta altura?
 Foi a parte visível de todo um trabalho de reaproximação que vinha a ser feito há algum tempo. Participei antes em reuniões com o primeiro-ministro-português, como o ministro dos Negócios Estrangeiro. Desta vez, gostei muito de descobrir um secretário de Estado positivamente virado para África e sem qualquer complexo de o assumir, despido de quaisquer preconceitos. 

(in: DNPolitica)

 

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