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Joseph Pulitzer

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O golpe no Burkina Faso vivido por uma portuguesa

No segundo país mais pobre do mundo, Teresa Amorim, coordenadora de uma ONG francesa, acompanha o desenrolar do golpe militar ocorrido na semana passada fechada em casa, seguindo o recolher obrigatório.


Neste pedaço de terra africana onde os jovens e os velhos contam os dias à beira de casa e dos cafés enquanto as crianças trabalham, a frágil democracia do Burkina Faso tenta por fim ao golpe militar levado a cabo pelos guardas fiéis ao antigo presidente na passada quarta-feira, 16. Teresa Amorim, 43 anos, coordena o programa de proteção da ONG francesa Fondation Terre des Hommes Lausanne há 14 meses em Ouagadougo, a capital do Burkina Faso, e vive desde quinta-feira, 17, fechada em casa depois de ter sido decretado o recolher obrigatório. A organização onde trabalha tem um plano de evacuação preparado para os seus trabalhadores, mas por agora o aeroporto está fechado e os voos cancelados. Caso a situação se agrave, Teresa e os restantes estrangeiros a viver neste país podem sair por outra via, mas nesse caso numa operação coordenada pelo governo francês que é quem está responsável pela evacuação de estrangeiros neste país.

"Pensamos que tudo se deverá resolver dentro das próximas horas. A guarda está posicionada em todos os pontos estratégicos da cidade e vários membros golpistas já se renderam", relata.

Depois de ter vivido a revolução de outubro passado, que depôs o presidente Blaise Compaoré que detinha o poder há 27 anos, Teresa mostra-se otimista quanto à resolução do mais recente golpe de Estado, em que as forças fiéis ao antigo presidente tentaram recuperar o poder perdido. As estimativas mais recentes apontam para a existência de dez mortos e 113 feridos, mas este número pode ser superior. "Na quarta e quinta-feira passada, ocorreram várias manifestações e ouvimos tiros. Os telhados aqui são em alumínio, por isso um tiro pode entrar dentro de casa com muita facilidade. Sabemos que jovens e crianças foram atingidos, outros desapareceram e ainda não temos notícias deles, por isso a Cruz Vermelha e a Unicef lançaram uma linha para as famílias conseguirem encontrar os seus familiares", relata. Nestas situações, alerta Teresa Amorim, é muito provável que o número de vítimas seja maior, até porque o sindicato dos médicos pediu a todos os estagiários e estudantes para apoiarem o pessoal dos hospitais, clínicas e centros de saúde no tratamento dos feridos.

Na tarde de quinta-feira, 17, a coordenadora da Fondation Terre des Hommes Lausanne mudou-se da casa onde vivia, numa zona residencial privilegiada pela calma durante os últimos dias, para uma outra onde foram reunidos os colegas estrangeiros. "As zonas onde se registaram mais vítimas são no centro da cidade, onde se concentra os edifícios públicos, e em Ouaga, onde se encontra o quartel da guarda presidencial", explica. As famílias de funcionários com filhos são neste momento a prioridade de evacuação das ONG.

Filha de pais portugueses emigrados em França, Teresa cresceu em Paris e há vários anos que percorre o mundo ao serviço das ONG. Começou por trabalhar no nordeste brasileiro, onde apoiava projetos de proteção da infância e que a obrigavam a algumas deslocações às favelas do Rio de Janeiro. Mais tarde, mudou-se para Dakar, onde trabalhou na Save the Children, até que em 2014 se mudou para o Burkina Faso. Conta que apesar deste golpe estar a ser mais prologado, a revolução de outubro passado foi mais violenta. "Da outra vez, estiveram mais de um milhão de jovens na rua e os confrontos foram intensos. Por enquanto está tudo calmo aqui e não temos recebido ameaças como estrangeiros. É um assunto interno", assegura.

Com a cidade paralisada por dezenas de bloqueios que impedem a entrada de mercadorias nas principais cidades, algumas lojas continuam a resistir vendendo alguns bens essenciais. No entano, já falta gasolina e gás. Esta tarde, houve um corte de eletricidade.

Neste momento, decorrem as negociações promovidas pela Comunidade Económica dos Estados da África do Oeste (Cedeao) em Abidjan, Costa do Marfim, o general golpista e antigo cehefe do regime presidencial Gilbert Diendéré anunciava que "não queremos lutar, mas eventualmente vamos defender-nos". Em resposta ao golpe da semana passada, a União Africana decidiu suspender o Burkina Faso da organização e admitiu avançar com sanções caso os golpistas não abandonem o poder. O golpe de estado já foi condenado pela União Europeia, Estados Unidos da América, Nações Unidas e pela França, antiga potência colonial deste país. Por todo o país, a população tem-se manifestado contra o golpe, queimando pneus nas ruas da capital.

"Acho que este povo tem muita maturidade. Da outra vez, era uma luta para ganhar a democracia. Desta vez, é uma luta para manter essa democracia", remata Teresa Amorim.

Compreender o golpe
  • Em 2011, uma onda de motins nas prisões abalou o governo
  • O anúncio de uma emenda na legislação em 28 de outubro de 2014, de forma a permitir a reeleição do presidente Blaise Compaoeré, no poder desde 1987 provocou a ira da população e que culminou numa revolução, que destituiu o regimentoMichel Kadando é nomeado presidente interino e são convocadas eleições para 11 de outubro de 2015
  • Na passada tarde de quarta-feira, 16, o antigo braço direito do ex-presidente Compaoré, Gilbert Diendéré lidera um golpe de estado militar. No dia seguinte, Diendéré é nomeado novo chefe de estado
  • Sexta-feira, 18,, o presidente interino Michel Kadando é libertado. O primeiro-ministro Isaac Zida só foi libertado hoje
  • As duas fações avançam com negociações com vista a uma solução pacífica, embora sem resultados até ao momentos

 O Burkina em números
  • É considerado pela ONU o segundo país mais pobre do mundo
  • Tem uma população de 15,3 milhões de habitantes, na sua maioria jovens
  • Tem a sexta maior taxa de natalidade do mundo, de 5,93 filhos por mulher
  • A taxa de analfabetismo é de 46 por cento
  • Oito em cada dez mulheres são analfabetas.
 
(DR)
 

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